Esta semana, a Wise Wave apresenta uma entrevista com a DJ Bruma, uma presença essencial no underground do Porto. Criada na periferia nos anos 90 e moldada pelo hip-hop e R&B, Bruma desenvolveu um estilo único e eclético, explora também géneros como disco, soul, jazz e house.

Criadora de A CLIQUE, uma comunidade vibrante que começou no Café Au Lait e evoluiu até ao Hard Club, Bruma partilha na entrevista as influências, desafios e sonhos que impulsionam a sua carreira.

Wise Wave: Cresceste na periferia do Porto nos anos 90, cercada pelo hip-hop e R&B. Como é
que estas influências moldaram o teu estilo e abordagem como DJ?
Bruma :Foi curioso porque ao começar a ser DJ acabei por fazer uma retrospectiva muito aprofundada (e organizada) de tudo o que ouvia quando era mais nova, na busca dos clássicos que ainda funcionam em qualquer pista, e esse diggin inicial acabou por traçar o meu caminho como DJ, porque me fez perceber efetivamente o amor que tenho pelo género.
Wise Wave: A cultura do sampling foi uma porta de entrada para descobrires outros géneros,
como disco, soul, jazz e house. Podes nos contar mais sobre como esta transição
aconteceu e como isso impacta os teus sets hoje?
Bruma : Já era bastante fascinada pela cultura do sampling, mas depois comecei a ver DJ
Sets de alguns DJs míticos da cidade, como o Tenreiro, Vicente, Chico Ferrão (7
Magníficos), o Becas, e muitos mais. No fundo tive a sorte de assistir e poder
partilhar conversas com uma geração mais velha ligada à música e com uma
sabedoria invejável. Dava por mim a reconhecer imensas músicas que eles
passavam por as conhecer sampladas em sons de rap. Ia anotando e ia para casa
ouvir aquilo, até que esses géneros se tornaram uma paixão para mim também.
Wise Wave: Fundaste A CLIQUE, que começou como uma residência semanal no Café Au Lait e
 tornou-se rapidamente um epicentro da comunidade underground de hip-hop
alternativo. Como foi esse processo de transformação e qual a importância dessa
comunidade no rap tuga, nomeadamente no norte?
Bruma:A cidade sempre foi tendo eventos que uniam a malta, mas houve ali uma
frequência, disposição e liberdade que tornaram aquele ano muito especial.
Funcionou como ponto de encontro dos artistas da cidade e não só, cruzou
gerações e fez nascer algumas colaborações. Acho que só daqui a uns anos e
dependendo do rumo que tomar agora é que vamos ter noção do impacto real que
teve aquele primeiro ano no Café Au Lait.
Wise Wave:Comofoi a experiência de levar A CLIQUE ao Hard Club, um espaço maior e mais
consagrado? Quais foram os desafios e recompensas dessa transição?
Bruma:Foi muito gratificante para todos acho, tanto para mim, como para o público, e para
os artistas, até porque alguns dos que atuaram no Café Au Lait acabaram por pisar
o palco do Hard connosco. Foi das casas onde mais saí na minha adolescência e
onde vi o meu irmão a tocar também, então foi algo bastante simbólico para mim.
Aprendi imenso sobre produção, mas também trouxe algumas preocupações que
não tinha quando a festa era de entrada livre. Já não podia simplesmente pensar no
cartaz, tive de começar a considerar se era um line up que venderia bilhetes
suficientes para cobrir despesas.
Wise Wave: Tens experiência numa variedade de ambientes, desde restaurantes e bares até
grandes discotecas e eventos. Como é que adaptas os teus sets para diferentes
públicos e ambientes?
Bruma:Acho que divido em três “grupos”. Quando é um ambiente lounge passo o que ouço
mais no dia-a-dia, e o que gosto sem me preocupar muito com o público. Quando
são sets de pista depende do sítio e do público. Há sets onde posso entrar a pés
juntos e fazer algo mesmo underground, há outros onde tenho de ir equilibrando
com hits mais “fáceis” para a malta se segurar a dançar.
Wise Wave: Utilizas gira-discos e vinil, o que traz um toque clássico aos teus sets. O que te
motiva a continuar a usar esse formato num mundo cada vez mais digital?
Bruma:Também uso muito pen e CDJs porque ainda não tenho o set up ideal para tocar
com os pratos, mas sempre que posso forço-me a tocar dessa forma, acho que para
hip-hop é um formato mais indicado. Quanto a tocar com discos mesmo, ainda sou
muito verdinha, mas tenho treinado desde o início, gosto de o fazer pelo desafio e
pelo skill que dá. Colecionar discos é uma das minhas paixões, acho que torna a
selecção muito mais rica e a ligação que se cria com a música em si é muito maior.
Wise Wave: Como host na Perola Negra Radio, como escolhes as músicas que partilhas com os
ouvintes? Existe uma diferença na abordagem em relação aos teus sets ao vivo?
Bruma: Sim. Costumo dizer que adoro fazer rádio porque é onde tenho oportunidade de
passar músicas que não posso passar nos meus sets, e além disso obriga-me a
fazer diggin de uma forma ainda mais intencional. Dar a conhecer o trabalho de
artistas underground ou emergentes é a minha paixão e é transversal a tudo o que
faço. A rádio acaba por me abrir mais uma porta nesse sentido, até porque posso
falar sobre os temas, algo que não acontece nos sets.
Wise Wave: Como é que o trabalho na rádio influencia ou complementa o teu trabalho como DJ ao vivo?
Bruma: Acho que é no sentido do que disse antes, obriga-me a fazer uma seleção que foge
do óbvio e acho que isso enriquece muito a minha playlist.
Wise Wave: Comovês aevolução do hip-hop underground de hip-hops em Portugal, especialmente na cidade do Porto?
Bruma: O underground está a ganhar força pelo mundo todo, acho que há uma saturação do
público com as mega estrelas, lá fora assistimos ao sucesso cada vez maior de
malta como os Griselda, esta nova fase do Alchemist e agora mais recentemente
todo o debate em torno do beef do Drake com o Kendrick mostrou um bocado isso.
Cá em Portugal vimos o Slow J a esgotar a Meo Arena duas datas seguidas, isso
para mim é sinal de algo bom, nunca se consumiu tanta música portuguesa como nos dias de hoje.
No Porto estou a ver malta criar cenas muito boas, projetos colaborativos e novos artistas a surgir. Hoje em dia a tecnologia acaba por facilitar a execução de muita
coisa com menos meios e isso tem o seu lado bom e mau. Não é por haver mais
ferramentas que não deixa de ser preciso dinheiro, tempo e disposição para fazer as coisas acontecer. Viver da música não pode ser uma utopia, senão a paixão acaba por ir desaparecendo também, e no Porto não só não se vive da música como nem sequer se ganha algum com isso.
Wise Wave: Quais são os desafios e oportunidades atuais para DJs que trabalham com géneros
como o hip-hop em Portugal?
Bruma: Depende um bocado. A noite está mal no geral, sintoma da crise e da gentrificação.
Sou muito grata por continuar a ter trabalho com algo tão de nicho, mas tive que
ceder muito no início para poder ter alguma credibilidade para agora estar mais livre
no meu trabalho. Praticamente não há festas de hip-hop underground, nem há
grande interesse nos espaços em as receber, e as que existem não conseguem
pagar grandes cachets. No entanto, a verdade é que o hip-hop é dos generos mais
consumidos, senão o mais, por isso comercialmente está muito mais aceite, o que
faz com que acabem por haver mais oportunidades nesse registo mais “standard”.
Wise Wave: Quais são os teus planos para o futuro d’A CLIQUE? Há novos projetos ou
colaborações que podemos esperar?
Bruma:Agora tenho a sorte de estar a trabalhar em parceria com a Rita, e as pessoas mais
próximas de mim também ajudam imenso, o que me facilita pensar nisto numa
escala maior ou mais alargada. Queremos sempre ressaltar que a CLIQUE não é só
uma festa, é uma comunidade. Queremos chegar a mais cidades para podermos
trabalhar com artistas do país todo, incluir mais as outras áreas para além da
música, investir no canal do Discord, no YouTube, potenciar colaborações, etc. No
fundo criar um sistema que acabe por ganhar a sua autonomia, e que as festas
sejam os momentos de celebração, mostra do trabalho consolidado e reunião dos
artistas com o público. Para já posso dizer que vamos ter nova data no dia 21 de
Novembro no Passos Manuel (entrada livre) damos mais detalhes em breve no
Instagram e no Discord.
Wise Wave: Já exploraste muitos géneros musicais ao longo da tua carreira. Há algum novo
género ou estilo que gostarias de incorporar nos teus sets no futuro?
Bruma: Acho que já passo tudo o que gosto porque toco em contextos muito diferentes. Às
vezes gostava de ter um pouco mais de oportunidades para passar house. Acho que
ainda é um lado meu que pouca gente conhece por me colarem muito ao hip-hop só,
mas sei que quando tiver oportunidade para me dedicar mais a esse lado a coisa vai
surgir.
Wise Wave: Sendo uma figura importante no campo musical do Porto, como te vês a impactar a
próxima geração de DJs e músicos?
Bruma: Não sei se já tenho bagagem suficiente para impactar alguém, se tiver essa
capacidade espero que sirva de motivação para que se lute pela comunidade e pela
música. Um DJ para além de agradar também tem de educar o público, nunca nos
podemos esquecer disso. Os maiores e mais influentes DJs da história eram pontes
e plataformas entre músicos e público.
Wise Wave: Oquemais te entusiasma na música hoje em dia? Há algum artista ou movimento
atual que achas particularmente inspirador?
Bruma: Fico muito fascinada com o talento e o mindset da malta mais nova. Existem
colectivos e artistas muito interessantes a surgir. A Moria, o VSO, os emsemblu
(DoisPês, dualus, si!va, gonsalocomc, e mais) têm um talento inacreditável, alguns
mais consolidados tipo os Caixa Cartão Collective, tanta coisa.
Wise Wave: Há algum detalhe técnico específico que consideres crucial para criar o ambiente perfeito durante um set?
Bruma: Tentem sempre misturar em key, ando-me a aperceber da diferença que faz e é gritante.
Wise Wave: Que conselhos darias para DJs iniciantes, especialmente aqueles que querem
explorar múltiplos géneros musicais como tu fazes?
Bruma: Não ter receio de experimentar coisas diferentes e coisas que não parecem muito
seguras, às vezes não vai correr bem é certo, mas só assim é que conseguem
definir a vossa identidade. O início da carreira é para isso mesmo, um DJ não se
define no primeiro ano de carreira.

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